A Prática Espiritual e a Ciência Cósmica

A Prática Espiritual (Sadhana) e a Ciência Cósmica (Madhuvidya).
O objecto da mente comum, seja ele externo ou interno, é o resultado dos cinco factores fundamentais. De forma à mente manter a sua existência separada, tem que se manter ocupada com algum objecto. Aqui objecto significa local. Tal como um ser vivo de forma a manter a sua existência física precisa de ocupar um espaço físico, da mesma forma a mente para manter a sua existência subtil precisa de se agarrar a um qualquer objecto de uma dada subtileza.O tempo e o espaço são indispensáveis para manter a individualidade. É por esta razão que a mente individual está constantemente na busca de um ou outro objecto. A mente afasta-se daqueles objectos que não são propícios à materialização de samskaras […] e move-se em direcção a um novo objecto. Esta agitação da mente é incessante. Quanto mais intenso for o desejo para a materialização de um samskara, mais rapidamente a mente salta de um objecto para outro. A isto chama-se inquetação ou instabilidade mental.

Pode-se levantar a questão, o que acontecerá à mente se ficar completamente desprovida de objectos? Se isto ocorrer então a mente será dissolvida – será extinguida. A luta pela auto-protecção é natural e, por isso, a mente corre constantemente atrás dos  objectos que lhe garantem a existência.

Já foi dito que o objecto de uma mente comum é sempre obtido através do mundo dos cinco factores fundamentais. Qual é a forma deste mundo paincabhaotika(feito dos 5 factores) e de que propriedade é feita a sua mente subjectiva?

Do ponto de vista filosófico, existe uma eterna, infinita consciência a toda a volta. Enquanto esta entidade de consciência permanecer no seu estado original, não se coloca questão de sujeito ou objecto, nem de conhecimento ou conhecedor. No entanto, quando uma parte dela está sob a influência de Prakrti, então o conhecimento da existência, ou o sentimento de “Eu”, passa a estar presente. Este mesmo sentimento de “Eu” surge na mesma altura que o objecto de Purusa ou Consciência Cósmica. Este efeito que permeia o sentimento de “Eu” é chamado de mente. Existem três níveis do sentimento de “Eu” – Mahattattva (Eu existo), Ahamtattva (Eu faço) e Citta (o “Eu” resultante). Esta mente constitui a degeneração inicial de Purusa e dá origem ao seu objecto.

Foi dito que este mundo manifesto é o objecto desta mente. Consequentemente, Purusa não retira de todo qualquer prazer deste universo paincabhaotika. É apenas a mente que goza, enquanto Purusa permanece simplesmente como uma entidade testemunhal ao funcionamento da mente.

Os objectos de gratificação dos dois estágios mais elevados da mente, nomeadamente mahattattva e ahamtattva, são sustentados, formados e manifestados ao nível de citta. Se uma pessoa retira prazer ao provar comida saborosa, qual é o sujeito desta gratificação? São estes dois níveis da mente, mahattattva e ahamtattva. Agora, qual é o objecto de gratificação? Superficialmente parece que é a comida. Mas mesmo quando a comida for ingerida, a mente não experiencia qualquer prazer até que a sensação do paladar, em forma de ondas vibracionais do tacto e gosto, sejam recebidas pelos respectivos órgãos sensoriais e transmitidas a citta. Uma pessoa com um determinado estado de espírito pode não retirar qualquer prazer em fazer algo interessante ou mesmo ao provar comida saborosa. A razão para isso é que citta está parcialmente ocupado e não pode dar as formas relevantes às ondas vibracionais do objecto.

Daqui podemos tirar a conclusão que a mente nunca goza o objecto original; mas apenas a sua sombra reflectica. Apanhando as sombras do mundo físico, as pessoas erradamente acreditam que atingiram isto ou aquilo. Se a mente quiser de facto perceber algo, deve adoptar o caminho contrário. A mente terá que ser retirada do mundo dos cinco elementos – que foi criado como a manifestação mais densa da mente cósmica – e adoptar a Consciência Universal como meta – a matéria-prima da criação. O objecto de Purusa é a mente e, se Purusa se tornar no sujeito da mente, então, como resultado, essa proximidade dará origem a uma união, o sentimento subjectivo de cada parte irá desaparecer. Esta união chama-se “yoga”. Por outra palavras, é a união do “Eu” unitário, centrado na mente, com Purusa universal.

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Purusa é a unica entidade conhecedora. Apenas Purusa é a personificação do conhecimento, ou o próprio conhecimento. Tal como o sol é a luz por si próprio – não precisa de luz emprestada de lado nenhum. O movimento em direcção ao conhecimento absoluto é chamado de processo de conhecimento, enquanto que o movimento contrário a este vai em direcção às sombras dos factores fundamentais criados pelas ondas de pensamento da mente cósmica.

Pode ser mais claramente explicado desta forma: apenas Brahma omnisciente é a verdade absoluta e este universo paincabhaotika é o resultado do domínio de Prakrti sob Brahma. Se fossemos capazes de gozar deste mundo paincabhaotika, poderíamos dizer que desfrutamos das sombras ou imaginação das ondas da mente cósmica. Na realidade, nenhum de nós pode gozar este mundo paincabhaotika. Apenas gozamos as formas relativas que os nossos órgãos sensoriais transmitem à mente, após receber os seus reflexos pelos tanmatras. Isto é, apenas experienciamos o reflexo das ditas sombras.Poderemos atingir o verdadeiro Purusa meramente através do reflexo de uma sombra? Não, certamente que não. Pela sombra de uma árvore não podemos concluir que se trata de uma macieira, laranjeira ou pessegueiro. Para conhecer a árvore é necessário olhar para a árvore, não para a sua sombra. Para conhecer Brahma, é inútil permanecer ocupado com as ilusões dos reflexos de Brahma. Todas as tendências psíquicas terão que ser direccionadas para Brahma.Tal como a mente egoísta é o sujeito do ser vivo, também Purusa é o sujeito da mente. Em circunstâncias especiais chamamos esta Purusa de alma unitária ou jiivatman. Apenas avançando em direcção a Brahma, e atingido a sua forma original, podem os seres humanos serem libertados destes mundo ilusório. Atingir o seu verdadeiro ser profundo é atingir Purusa universal. A alma unitária que está livre de objectos e a alma universal livre de objectos, são uma e a mesma entidade.Este conhecimento não pode ser atingido apenas através da leitura de livros. É necessário sinceridade na prática espiritual. Temos que fazer o caminho mantendo Brahma como destino. Se todas as tendências forem direccionadas para Brahma, tornam-se cada vez mais e mais subtil e, ultimamente, fundir-se-ão em Brahma. Quando já não houver tendências, não há mente. Vão para além da periferia da mente. Serão libertados dos sentimentos de dor e prazer e irão atingir o verdadeiro Eu.

Neste caminho é necessário fazer o máximo esforço para manter a mente escrupulosamente afastada de vícios. Nunca deixem a pureza da vossa mente ser poluída de nenhuma forma. Após algum tempo desta prática, vão observar que a mesma mente que durante tanto tempo apoiou tendências negativas agora se tornou no vosso melhor amigo. A mente serve todo os propósitos que quiserem e por isso devem deixá-la ter inspiração constante da vossa alma. Iluminem a vossa mente com a refulgência da alma. A verdade absoluta revelar-se-á automaticamente.

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Por isso, não deixem a mente ficar ocupada com pensamentos crudes, nem deixem ser levados por impulsos ou tendências. As tendências extroversivas para os objectos físicos são um impedimento certo à realização desse ser profundo.

[…]

Na vida mundana, objectos finitos são indispensáveis. A preservação da nossa existêncía não é possível se estivermos constantemente na busca de “shreya” (aquilo que leva à realização). Ainda assim, apenas shreya é necessário para o progresso espiritual e apenas shreya, e não preya(gratificação física), deve ser alimentada.Se um aspirante espiritual é aconselhado a seguir apenas shreya, como é que pode manter a sua existência? Ele ou ela terá que lidar com preya de tal forma que não se torne numa amarra nem numa fonte de extroversão de tendências, mas sim de forma a que conduza à introversão dessas tendências e, consequentemente, a mukti ou libertação. Esta técnica é conhecida como “madhuvidya”.Madhuvidya ensina que podemos esforçar-nos para atingir a libertação mesmo quando estamos na vida física normal, desde que, antes de lidar com qualquer objecto, nos consciencializarmos de um sentimento cósmico. Enquanto alimentas a tua criança deves contemplar que não estás a alimentar a tua criança, mas a dar os devidos cuidados à manifestação de Brahma na forma dessa criança. Quando cuidas da terra, deves contemplar que estás a dar o devido cuidado à manifestação de Brahma na forma da terra. Se seguirem madhuvidya adequadamente, serão capazes de se manterem afastados das amarras das acções. Este madhuvidya irá permear todo o vosso interior e exterior com o extâse de Brahmananda (bem-aventurança cósmica) e irá permanentemente aliviar todas as vossas aflições. Então, as ferozes garras de Avidya (força extroversiva) não poderá agarrar-vos. A glória dessa uma e apenas uma entidade irá brilhar para vocês através de todos e quaisquer objectos.

1955

Publicado em:
Subháśita Saḿgraha Part 1