Mantra e Japa

Há alguns meses atrás, na ocasião do Dharma Mahácakra [grande congregação espiritual] em Madras, eu disse que mantra e encantação (mantramantrajapa) não são a mesma coisa. Como não existe nenhum sinónimo para a palavra em Inglês ou Latim, estou limitado a usar a palavra “encantação”. Da mesma forma, as duas palavras, diiksá e “iniciação” não têm significados idênticos. No entanto, como não existe uma palavra mais apropriada quer em Inglês quer em Latim, sou obrigado a usar ta palavra “iniciação” para diiksá. A palavra diiksá tem um significado profundo. No Tantra é dito sobre diiksá 

Diipajinánam yato dadyát kuryát pápa ksayam tato,
Tasmát diikseti sá proktá sarva tantrasya sammatá.

[O processo que produz a capacidade de realizar o significado interno do mantra e e que acelera a vivência dos samskáras, ou impulsos reactivos, é chamado diiksá.]

Diiksá é composto por diikśa. No género feminino, adicionando o sufixo á, torna-se diiksá.

O que é diipajinánaḿ? Mesmo que uma pessoa saiba o caminho, se não tiver uma lanterna ou tocha com ela, então irá encontrar dificuldades para se movimentar adequadamente na escuridão. Se houver perigos no caminho, ela não vai ser capaz de os ver. E como não é capaz de andar adequadamente, é muito provável que caia. É por essa razão que é necessário uma lanterna ou tocha (diipanii). De diipanii deriva-se a palavra diiDiipanii ou Diipajinánaḿ tem vários componentes como mantracaetanya, mantrágháta, etc. Mantracaetanyamantrágháta são aspectos essenciais da iniciação. Um mantra não é apenas uma colecção de palavras ou sílabas. De um certo modo, todas as palavras podem ser consideradas mantras, porque todas são expressões da matriz causal primordial (mulá prakrti) – pela vontade de Parama Puruśa[Consciência Suprema]. Onde quer que haja expressão, irá também existir vibração, som e cor (varná). Vendo desta perspectiva, todas as 50 letras de aksá no alfabeto Ariano são mantrasYata shono karnapute savimáyar mantra bate [o que quer que seja ouvido pelos ouvidos, é, claro, um mantra da deusa mãe]. Mas de todas estas, é necessário escolher o mantra de acordo com os samskáras [impulsos reactivos] de cada um, tornando-se assim no iśta mantra pessoal. Qualquer palavra se pode qualificar como mantra, mas não pode ser um iśta mantra, nem terá qualquer utilidade durante a prática intuitiva (sadhana). Um mantra tem que ser impregnado com “consciência”, isto é, tem que ser um siddhamantra. Um siddhamantra é aquele que foi embebido com consciência (cetaná). Mahákaolas criam os siddhamantras. Eles seleccionam palavras contendo sílabas e injectam-lhes uma pulsante vitalidade. Só então irão declarar essas palavras como siddhamantras. Um mantra assim criado, é chamado mantracaetanya [consciência mantrica]. Caso contrário, o mantra não é mais do que um conjunto de sons.

Caetanya rahitáh mantráh proktáh varnástu kevalam,
Phalam naeva prayachanti lakśa koti japaeirapi.

[Mantras sem ideação são meramente algumas letras proferidas de forma mecânica. Não irão trazer nenhum resultado mesmo que repetidas um milhão de vezes.]

Se uma pessoa escolher algumas palavras e começar a cantá-las, não resultará em nada, mesmo que as repita milhares de vezes, porque esse mantra não é um siddhamantra ou um mantra injectado com “consciência”. Um pessoa comum não pode criar mantracaetanya, isso não é possível. Ela tem que usar um siddhamantra. Então, dentro de pouco tempo, irá ocorrer transformação no seu corpo mental e espiritual. A influência das páshas [amarras] e ripus[inimigos mentais] irá diminuir rapidamente e então caminhar em direcção a Parama Puruśa. Ela não terá tempo para se preocupar com o que os outros pensam. Move-se numa velocidade cada vez maior em direcção ao seu ideal, propulsionada pelo mantracaetanya. Eu disse previamente que nesse movimento de aceleração sob o encanto da flauta de Krśńa, raramente se sente dificuldades no caminho – Choté ye jan bánshiir táne se ki tákáya pather páne. Não têm tempo para se preocupar com mais nada.

Depois, temos mantrágháta. O poder da divinidade na sua forma latente é chamado kulakundalinii shakti (energia da serpente enrolada), e reside no muládhára cakra [plexo basal]. Quando uma pessoa obtém o mantra correcto, o poder da serpente adormecida vive um poderoso sobressalto. É despertada e acordada desse sono. Isto é conhecido como mantrágháta. Quando um aspirante espiritual encontra o caminho para o progresso devido a mantracaetanya [consciência mantrika] e mantrágháta [impacto do mantra], isso é designado de diipajinánam ou diipanii.

Diferentes pessoas traduziram isto de formas diferentes. Mas o significado real é: algo que nos ajuda na nosso caminho. Se, enquanto caminhares no escuro, alguém coloca uma tocha na tua mão, então podes caminhar sem tropeçar ou cair. Vais ser capaz de ver à distância a meta da tua jornada, o lugar da realização suprema. Essa é outra razão pela qual foi chamada de diipajinánaḿ.

O que significa pápa (pecado)? Quando a mente faz algo que causa distorção e é prejudicial para outros, é chamado pecado. Paropakárah punyáya pápáya parapidanam. Vyasadeva, o autor dos Puranas, diz,

Aśtádasha puráneśu vyásasya vacanadvayam,
Paropakárah puńyáya pápáya parapidanam.

Após completar os dezoito Puranas, Vyasadev disse que fazer o bem a outros ou ajudar outros a progredir é chamado punya [virtude]. A distorção psíquica que resulta de criar obstáculos ao progresso de outros é chamada pápa [pecado]. Quanto mais forem as acções correctas, menor será a distorção psíquica e maior será o equilíbrio psíquico. Até este estado ser alcançado, não se coloca sequer a questão da libertação.

Yávanna kśiyate karma shubhaincá shubhamevaca,
Távanna jáyate mokśa nrńám kalpashataerapi.

[Até os bons e maus samskáras estarem completamente esgotados, não é possível atingir mokśa (libertação não-qualificada) mesmo em milhões de anos.]

O que acontece após a iniciação? As reacções (samskáras) acumuladas dos pecados são experienciadas rapidamente e as pessoas sentem como que o seu mundo se tivesse virado ao contrário. Se, nessa altura, elas mantiverem a sua mente focada no seu Istá, então não será perturbadas porque nenhuma circunstância. Perceberão que aquele Um ao qual se agarram, irá eventualmente salvá-las. Não são mais afectadas por vergonha, ódio ou medo.

Abhaya pade prána śanpechi,
Ár ki shaman bhay rekhechi.

“Entreguei a minha mente aos pés desse Um, onde o medo não existe.. Para quê ter medo da morte?” Nenhum pecado pode limitar tais pessoas. Elas começam a viver os resultados desses pecados. As reacções de pecados passados, que iriam ser vividas mais tarde, são experienciadas a uma velocidade maior e assim continuam o seu caminho. Elas não criam mais pecados e assim atingem a sua meta num curto espaço de tempo. E por isso disse, na Directiva Suprema, que se uma pessoa se move desta forma, basta uma vida para atingir o objectivo. Para quê fazer penitências durante milhares de vidas? Para quê mostrar a uma pessoa uma árvore de tamarindo e dizer, “vais obter a tua libertação após tantas vidas quanto folhas nesta árvore”? Se seguirem o processo científico, atingirão o vosso objectivo em apenas uma vida, nesta mesma vida. Tentei dar aos Ananda Margiis a oportunidade de tal vida. Ainda continuo a tentar e irei continuar a fazê-lo. Tulsijii disse,

Tulsii yab tum jag me áye,
Hase jag tum roye,
Eisá kám karte chalo,
Hase tum jag roye.

Tulsi, quando vieste a esta terra, choraste e todo o mundo estava feliz. Vive de tal forma para que quando deixes este mundo vás feliz, e todo o mundo chore por ti. Após receber a iniciação, a vida de uma pessoa toma um rumo diferente. Se praticarem com sinceridade, não terão que esperar pela próxima vida. O que quer que tenha que acontecer, irá acontecer nesta vida. Lembrem-se disto, e a vossa vida estará repleta de felicidade. Concluo desejando que as vossas vidas sejam cheias de felicidade e contentamento.

19 Junho 1978, Calcultá

Publicado em:
Ánanda Vacanámrtam Part 13