Os Sete Testes do Guru

[tradução em português do Brasil]

Durante o mês de outubro de 1971, a Ananda Marga(2) enfrentou uma crise – tanto espiritual quanto organizacional. Foi realizado um DMC (3) em Calcutá. Nós estávamos esperando que o Darshan Geral da tarde começasse. O procedimento era de que primeiro Srimati Uma, a esposa de Baba (4), viesse e desse uma palestra espiritual. Depois disso, Baba daria o Seu discurso. Nós costumávamos chamar a esposa de Baba de “Ma”, dando-lhe grande respeito.

Nessa noite do DMC, o Assistente Pessoal de Baba [N. do T.: em inglês, Personal Assistant, ou abreviadamente “PA”] saiu com dois ou três outros trabalhadores da central e falou sobre o sistema de prestação de relatórios. Ele começou falando sobre como Baba dava punições severas para os trabalhadores. Ele criticou isto severamente, como também outros aspectos do sistema organizacional de Baba. Então, ele surpreendeu-nos a todos anunciando que Srimati Uma não concordava com Baba a respeito de várias questões organizacionais, e que ela e o seu filho, Gautam, estavam deixando-O. Depois desse anúncio estarrecedor, Srimati Uma partiu junto com o grupo de dadas discordantes. Este drama inacreditável aconteceu bem na nossa frente, durate o DMC daquela noite. Nós ficamos chocados e sem fala, imersos em grande confusão, e não sabíamos o que fazer.

Como de costume, Baba veio para o Seu darshan geral após um certo tempo. Nós todos estávamos ansiosos em saber diretamente de Baba o que aconteceu. Entretanto, Baba estava completamente calmo, como se não tivesse acontecido (a deserção aconteceu nessa mesma noite do DMC). Ele deu o Seu discurso espiritual e então partiu para a Sua casa.

No próximo dia, as atividades do DMC ocorreram suavemente, sem qualquer incidente. Depois do DMC, Baba ficou em Calcutá por uns poucos dias. Então ele foi para Patna, Bihar.

Nesta época eu era um trabalhador de campo da “Área Leste”, que abrangia a parte leste da Índia. Em Bengala Ocidental, e especialmente perto de Calcutá, há muitas unidades de Ananda Marga. Todos os margiis daquelas unidades ficaram muito desmoralizados por causa desse incidente, e especialmente porque a reverenciada esposa de Baba e o seu filho abandonaram a Ele. Eles não conseguiam ficar em paz com esse fato inaceitavelmente doloroso. Era muito difícil para mim encarar os margiis e dar-lhes respostas apropriadas às suas numerosas e perturbadoras perguntas. Ninguém podia ou queria acreditar que a esposa de nosso Guru, Senhor Anandamurtiji, pudesse tê-Lo deixado, e abandonado a organização. Pessoalmente, eu também fiquei me perguntando como ela pôde ter deixado Baba. Mas o incidente aconteceu bem na minha frente. Eu também vi Baba continuar com Suas tarefas de uma maneira calma e serena, como se nada tivesse acontecido. Ainda que eu estivesse magoado e confuso, eu consegui algum consolo pelo fato de que esse incidente infeliz não afetou a compostura de Baba de forma alguma. Contudo, foi uma época muito difícil para mim. Sempre que eu encontrava os margiis, eles me perguntavam questões muito penetrantes sobre o incidente que havia me perturbado, pois eu não conseguia dar respostas adequadas ou convincentes para eles. Eventualmente eu fiquei mais e mais agitado.

Eu não conseguia mais agüentar isso. A agonia era insuportável. Como ela pôde ter abandonado Baba? Será que ela não tinha a realização de Deus? Se ela, como Sua esposa, não conseguiu perceber ou entender a Sua verdadeira natureza, então como nós poderíamos algum dia realizá-Lo? Por que Baba não foi capaz de prever esse incidente, e evitá-lo? Se Baba realmente é Parama Purusa [Consciência Suprema] e sabe tudo, como Ele pôde permitir que isso acontecesse?

Essas perguntas giravam sem parar na minha cabeça. Para piorar as coisas, os margiis continuavam perguntando, “Se Baba não conseguiu nem mesmo controlar a Sua própria esposa, então como Ele pode ter controle sobre os Seus discípulos? Como Ele pode controlar o Universo? Como Ele pode criar e estabelecer uma Missão espiritual? Srimati Uma e os outros que partiram com ela não estavam fazendo suas meditações regularmente? E se eles estavam, como é que puderam sofrer essa queda espiritual, como é que eles caíram do caminho espiritual, e caíram de forma tão abismal? Se, ao praticar-se sádhaná, não há nenhum garantia de ficar em segurança no caminho espiritual, então por que nós deveríamos meditar?”

Eu fiquei cada vez mais perturbado, pois eu era incapaz de responder todas essas perguntas difíceis, impiedosamente embaraçantes. Não eram somente os margiis que estavam buscando respostas para essas perguntas; eu também estava procurando respostas apropriadas, para esclarecer minha confusão.

Neste estado de agitação mental, uma força misteriosa de alguma forma parecia compelir-me a ir a Patna, ver Baba pessoalmente, ainda que minha mente objetiva não quisesse encontrá-Lo. Na verdade, eu estava bem brabo com Baba, por permitir que essas circunstâncias desagradáveis emergissem.

Depois de chegar em Patna, eu decidi comir uns poucos puris quentes e jalebi, que é um doce enrolado cor de laranja, como café-da-manhã. Eu pensei que primeiro eu iria descansar e tomar um banho. Depois de concluir essas coisas, então eu iria meditar. Este fato de que eu deixei minha meditação para depois de todas as outras tarefas, indicava claramente como eu estava confuso. Eu não informei ninguém sobre a minha chegada, pois eu não queria encontrar ninguém naquela hora.

Eu comprei a comida e cheguei no prédio onde os dadas ficavam em Patna. Contudo, por alguma razão, no momento em que eu cheguei, eu me senti tão inquieto que eu tive que tomar um banho. Depois do banho frio mas refrescante, eu comecei a tremer. Era mês de novembro, e o inverno havia recém começado, com os seus ventos frios e duros. Eu tentei colocar o meu turbante, só para evitar o ar frio.

Enquanto eu estava colocando o meu turbante, o dada PA subitamente irrompeu no quarto e me disse, “Baba está chamando você agora mesmo.” Ele simplesmente colocou-me no seu jipe, sem me dar uma chance de me arrumar.

Durante o caminho, enquanto estava sentado no jipe, eu pensei comigo mesmo, como Baba soube que eu havia chegado em Patna há apenas 40 minutos? Quem informou Baba da minha chegada? Em pouco tempo nós chegamos na casa de Baba.

No momento em que chegamos, eu ouvi a campainha de Baba tocar. O dada PA imediatamente correu na direção do Seu quarto. Quando ele abriu a porta, eu vi Baba saindo com um rosto extraordinariamente lindo, sorrindente e encantador. Eu prostei-me perante Ele. Baba me disse, com uma voz doce, “Vamos sair para caminhar.”

Baba então entrou no carro. Eu fui logo atrás. Eu não disse nada, e só fiquei sentado num silêncio estóico perto Dele. Ainda que a distância física entre nós mal fosse de uns poucos centímetros, internamente eu senti um grande abismo entre nós. Isto era devido às infindáveis perguntas que não queriam sair da minha mente, e que na verdade destruíram a minha paz mental. Eu estava com temor de olhar para Ele. Baba também ficou em silêncio durante o caminho. Depois de um tempo, o carro chegou em uma estrada aberta. O motorista encostou e parou o carro. O guarda-costas de Baba então abriu a porta. Baba saiu e eu fiz o mesmo.

Nós caminhamos em silêncio pela estrada, guiados por dois voluntários. O guarda-costas de Baba caminhou próximo Dele, segurando um guarda-chuva por cima Dele. Eu caminhei um pouco atrás de Baba. Enquanto estávamos caminhando, Baba repentinamente virou Sua cabeça e olhou para mim com um sorriso misterioso em Seus lábios. De alguma forma, eu senti internamente que Baba estava muito feliz comigo. Esse sorriso me fez sentir que Ele estava vendo tudo na minha mente, como um raio X. Ele parecia tão doce, inexpressavelmente doce. Eu me senti levemente esperançoso de que Ele responderia todas as minhas ardentes perguntas. Há uma regra de que, quando se está em qualquer caminhada de campo com Baba, não se deve fazer nenhuma pergunta a Baba, mas apenas responder às Suas perguntas. Naquela hora, eu simplesmente não consegui me controlar e joguei as regras ao vento. Eu irrompi dizendo “Baba, aquelas pessoas que Te deixaram, elas não poderão voltar?”

Baba não respondeu minha pergunta. Ao invés disso, Ele respondeu fazendo-me uma pergunta, “Você pode me dizer o que é sádhaná?”

Eu respondi, “É um processo científico pelo qual a mente unitária pode fundir-se com a Mente Cósmica e finalmente com a Consciência Suprema.”

Baba balançou Sua cabeça e disse, “Não é assim como 2+2=4.” Eu pensei comigo mesmo, “Eu sou um acarya e avadhuta. Eu iniciei muitas e muitas pessoas. Eu sempre disse às pessoas que a sádhaná é uma ciência espiritual, como 2+2=4. Mas agora Baba está me dizendo uma coisa completamente diferente.”

Baba continuou: “Suponha que você escale um morro e caia após uma pequena distância. Nada de sério irá acontecer. Talvez você sinta alguma dor ou receba um corte em alguma parte do seu corpo. Mas, se você escalar um pouco mais alto e então cair, então com certeza você irá sofrer um machucado maior. Você pode até mesmo quebrar um osso no seu braço ou perna. Agora, se você estiver no topo do morro, bem alto, e então cair, você com certeza ficará seriamente machucado. Você pode até mesmo morrer.”

Baba continuou: “Se você sair para uma caminhada e cair, você simplesmente se levanta, tira o pó e a sujeira das suas roupas e continua caminhando. Mas se você estiver andando de bicicleta e cair, provavelmente você ficará mais machucado. Se você caisse de um moto, você sofreria machucados maiores, ou até mesmo machucados graves. Se você cair de um trem em movimento, os machucados serão ainda piores. Se você cair de um avião, você seguramente morrerá. Mas, se você cair de um foguete, é possível que o seu corpo nem caia nesta terra.”

Enquanto eu escutava, passou pela minha mente o pensamento de que Srimati Uma e o grupo de dadas que deserdaram podem nem voltar como seres humanos [N. do T.: ou seja, em suas vidas após a morte], pois quanto mais alto se sobe na espiritualidade, mais dura é a queda. E irá levar um tempo muito, muito longo para recuperarem a condição de seres humanos, para que possam continuar sua jornada espiritual. A sua queda é equivalente a cair-se de um foguete. Baba continuou explicando que quando se cai espiritualmente, pode não se saber a causa efetiva. A pessoa pode dizer que aconteceu por acaso ou por acidente. Mas tudo o que acontece neste universo é incidental, não acidental. É somente por causa de nossa ignorância, de nossa falta de conhecimento e de nossa falta de entendimento, que nós não sabemos a causa de um evento e, portanto, referimo-nos a ele como um acidente.

Eu pensei comigo mesmo: por que Baba está me falando todas essas coisas? Eu apenas perguntei a Ele uma simples questão: será que eles irão retonar? Mas a resposta de Baba saiu completamente pela tangente. Qual é a conexão entre aquelas pessoas que abandonaram a organização, sádhaná, subir em morros, e cair de trens e aviões? Eu estava tentando compreender a conexão entre esses pontos e ver o sentido dela.

Enquanto eu tinha esses pensamentos, Baba repentinamente olhou para mim e gesticulou para que eu ficasse ao lado Dele. Eu me movi de trás Dele para a Sua esquerda. Baba estava no meio. O seu guarda-costas caminhava do Seu lado direito. Baba disse: “Eu quero explicar o que é sádhaná.” Ele explicou que há dois tipos de sádhaná: um, é o sistema védico, e o outro é o sistema tântrico. O sistema védico de sádhaná não significa nenhuma prática espiritual baseada nos Vedas. Ele refere-se aos sistemas de sádhaná baseados em orações. Não há processo prático de meditação ou outras práticas espirituais. Não há entendimento da importância do Guru, não há abhisheka, e não há garantia de liberação. Freqüentemente, o objetivo do sistema védico de prática espiritual é materialístico. A sádhaná tântrica, por outro lado, está baseada em um sistema prático de meditação e de realização espiritual. O Guru é de tremenda importância. Abhisheka é uma parte integral desse sistema, e também há garantia de salvação ou liberação.

Enquanto Baba falava, eu fiquei mais confuso. Como é que eles tiveram uma queda do caminho espiritual, se o sistema tântrico garante salvação e liberação? Eu também não sabia o que era “abhisheka”. Eu nunca tinha ouvido essa palavra antes.

Nesse momento, Baba me perguntou: “Você entendeu?” Eu fiquei pensando no que responder. Então Baba disse: “Veja, quando você recebe iniciação, primeiro você tem de prestar um juramento. Abhisheka quer dizer “juramento”. Você sabe, o Senhor Krsna tomou um juramento de Yudhisthira. No final da guerra do Mahabharata, Krsna pediu que Yudhisthira jurasse: ‘A partir deste exato momento, eu presto um juramento de que, como rei, irei cuidar dos meus subordinados como filhos e filhas. Eu assumirei plena responsabilidade do desenvolvimento integral deles.’ Yudhisthira prestou esse juramento perante o Senhor Krsna, sentado sobre uma estrela de seis pontas chamada de Bhaeravi cakra, que agora é parte de nosso pratik. Esse símbolo místico foi esculpido na pedra. Essa pedra sobre a qual eles sentaram-se está enterrada perto do que é agora o Red Fort, em Nova Delhi. Quando os arqueologistas explorarem essa área, eles irão encontrar essa mesma pedra. Isto é abhisheka. Sem prestar um juramento, a sádhaná não é possível. No momento em que você faz um juramento, o Guru imediatamente segura a sua mão.”

Baba então demonstrou isso para mim segurando o Seu pulso esquerdo com a Sua mão direita.

Ele continuou: “A segunda parte de um juramento tântrico é Guru daksina – a oferenda mental ao Guru, que é feita no final da iniciação. E na hora em que você faz Guru daksina, você segura a mão do seu Guru.”

Então, enquanto ainda segurava o Seu pulso esquerdo com a Sua mão direita, Baba segurou segurando o Seu pulso direito com a Sua mão esquerda. “Isto cria uma corrente”, ele disse.

Deste modo, Baba demonstrou para mim que quando a mão da pessoa segura-se no Guru, Ele simultaneamente segura a sua mão, travando ambas as mãos em uma ligação amorosa. Este é o ponto inicial da sádhaná.

Baba elaborou este ponto ainda mais. Ele disse: “Para fazer qualquer coisa com sucesso, você precisa de três coisas: confiança; a utilização de objetos materiais; e a Sua graça. Se você fizer qualquer trabalho físico, tal como cortar madeira, você pode ter fé Nele ou não. Isto não afeta o resultado do seu trabalho físico. Mas os primeiros dois pontos devem estar muito claros na sua mente, para que tenha sucesso na tarefa. Suponha que você queira dirigir um carro. Se você não tiver confiança e se você não sabe como dirigir um carro, então você não conseguirá dirigí-lo. Você pode ter fé Nele ou não. Você pode ter algum sentimento especial pelo Guru, ou não. Não importa. Mas no caminho espiritual, auto-confiança e objetos materiais não são muito importantes. Guru krpa, a graça do Guru, é a única coisa que os aspirantes espirituais precisam. O caminho deles, desde a iniciação até nirvikalpa samadhi, é chamado de sádhaná. Para tarefas ordinárias, uma pessoa precisa ter confiança em si mesma e contar com a ajuda de objetos materiais. Mas na espiritualidade, somente uma qualidade é necessária – entrega completa ao Guru. Uma pessoa pode saber técnicas muito detalhadas e difíceis de sádhaná. Uma pessoa pode ter conhecimento profundo da ciência da meditação. Mas isto não significa necessariamente que a pessoa terá qualquer progresso no caminho espiritual. Contudo, no caminho espiritual, se uma pessoa somente entregar-se ao Guru, ela conseguirá qualquer coisa.”

Baba continuou: “É por essa razão que o caminho espiritual é ao mesmo tempo muito simples e muito duro. Ele é o caminho da síntese, e não da análise. Se você simplesmente entregar-se a Ele, Ele irá assumir responsabilidade completa por você – seja nos níveis mundano, físico, mental ou espiritual.”

Baba enfatizou ainda mais este ponto: “Desde o ponto inicial da sádhaná até o seu destino final, você terá de passar por muitos testes, por muitas provas. No caminho espiritual, existem sete tipos de testes para um discípulo, que virão em diferentes ponto de sua vida. Algumas vezes, os aspirantes espirituais poderão estar cientes desses testes. E outras vezes, elas poderão estar totalmente desapercebidos deles. Esses testes variam de pessoas para pessoa, de acordo com os seus samskaras (5), de acordo com o seu estado da mente, e o seu nível de entrega. Esses testes podem ser testes mundanos, físicos, psíquicos ou espirituais. Por essa exata razão, logo após a iniciação a pessoa poderá ficar doente, poderá ter perdas financeiras, poderão ocorrer grandes choques com membros da família, ou o sofrimento de outros tipos de tortura mental.”

Baba disse: “Suponha que você esteja indo de Delhi para Calcutá. Ele pode colocar você em um trem comum ou Ele pode colocar você em um vagão com ar condicionado. Se tiver ar condicionado, você pode não ficar atento às várias estações, na medida em que você passa por elas. Você poderá não perceber o panorama encantador dos fenômenos externos, que podem ser tentadores para um aspirante espiritual. Mas, se for um trem ordinário, você irá passar e ver Patna, Varanasi, Allahabad, e assim por diante. Suponha que o trem chegue em Allahabad. Você pode decidir sair do trem e comprar alguns doces de boa qualidade e goiabas maduras. Mas existe o perigo de que o trem parta sem você. Portanto, os testes podem vir de uma forma muito ordinária ou de uma forma muito difícil. Depende do Guru, o tipo de trem no qual Ele te colocará, de acordo com o seus samskaras. A maioria dos sadhakas [aspirantes espirituais] irá se deparar com muitos problemas, tais como problemas financeiros e de saúde, perda de prestígio, e oposição de amigos e parentes.”

Baba continuou: “Normalmente há sete estágios ou tipos de testes.” Ele usou uma palavra em especial, “nivedita prana”, que significa “viver apenas para Ele”. Ele disse, “nivedita prana significa que os discípulos entregaram-se não apenas internamente, mas também entregaram-se externamente. Eles entregaram-se a um tal ponto que mesmo a sua respiração e a sua própria força vital são controladas pelo Senhor Supremo. Por aqueles que ‘entregaram sua vida e sua alma’, o Guru decide tudo em suas vidas.”

Então Baba continuou: “Mas, você sabe, o teste final Eu mesmo irei dar pessoalmente.” Ele explixou, o que esse teste final? Eu irei criar dúvida e confusão nas mentes dos discípulos, com relação ao Guru. Eu irei criar uma tal atmosfera, um tal ambiente, que o discípulo perca toda sua fé no Guru.”

Quando eu ouvi essa proclamação espantosa, eu pensei comigo mesmo sobre qual seria a capacidade de um discípulo, para passar por um teste tão difícil. Ele pode não ter a capacidade para entendê-lo ou percebê-lo.

Eu fiquei bem irritado. Eu perguntei: “Baba, se Você dá esse tipo de teste, como um discípulo poderá passar? Eu pensei que, como Sadguru, Você garantisse o sucesso daqueles que seguem Você. A mente unitária é muito limitada. O seu teste é tão difícil que os discípulos poderão facilmente perder a fé. Eles podem ficar perdidos. Eles podem cair. Isto significa que não há realmente nenhuma garantia de salvação.”

Baba imediatamente respondeu: “Não se preocupe. Quando Eu dou esse teste, Eu também crio uma atmosfera que permita que o discípulo passe. Eu irei providenciar dicas para proteger o discípulo. Eu faço essas duas coisas simultaneamente. O Guru cakra é apenas para o Guru. Se alguém mantiver o Guru no Guru cakra, o guru definitivamente irá proteger essa pessoa.” Baba disse: “As pessoas que foram embora estavam colocando outra pessoa no seu Guru cakra, em lugar do Guru. É por isso que qualquer tipo de Guru ninda ou criticismo, ou qualquer traição aos Seus comandos, é muito perigoso para um sadhaka.” Baba enfatizou este ponto para mim: “Se qualquer pessoas mantiver-Me em seu Guru cakra, ela será protegida por Mim.” (6)

Ele então me perguntou: “Você se lembra que antes desse incidente eu dei muitos DMCs em diferentes lugares? Você se lembra do que eu disse aos margiis em todos esses DMCs? Ainda que eu tenha falado sobre muito assuntos diferentes, eu basicamente repeti e expliquei um sloka em todos os lugares:

Shriina’the ja’nakiina’the ca bheda Parama’tmanih
Tatha’pi mamah sarvashva srii Ra’ma kamalalocana.”

Baba explicou: “Narada e Hanuman eram ambos devotos de Deus. Um dia, Narada perguntou a Hanuman: ‘Oh, Hanuman, por que você não leva o nome de Narayana?’ Hanuman respondeu: ‘Eu sei que não há diferença entre Rama e Narayana. Ambos são nomes de Parama Purusa. Mas o meu Ista mantra é Rama. Por isso eu somente levarei o nome de Rama.’ ”

Baba disse: “Em todas as atividades do DMC, Eu disse que o seu Ista [meta] é único, que a sua Adarsha [ideologia] é única, e que ambos são o mesmo. Você deve mover-se somente na direção dessa Entidade Única.

Baba continuou: “Veja, muitos devotos estavam lá mas somente uns poucos foram afetados. O Guru diz a você que seu Ista e sua Adarsha são um só. Algumas vezes, dúvidas e confusões podem surgir nas mentes dos discípulos. Um discípulo pode pensar, ‘O Guru nos disse para abrir uma nova escola, mas eu me deparei com muitos obstáculos e a escola fechou. Por quê? Ele nos disse para concorrermos à eleição, mas nós perdemos. Por que é que a organização está com tantas dificuldades devido à falta de dinheiro?’ Se uma pessoa tenta analisar tais coisas intelectualmente, ela ficará completamente frustrada. O conselho do Guru, ao invés disso, é sempre o mesmo: ‘Seja um só com o seu Ista. Seja um só com a sua Ideologia.’ ”

“Se tais dúvidas e frustrações surgirem na sua mente, você ficará mentalmente exausto, e então você poderá deixar de segurar na mão do Guru, Mas, o Guru não irá abandonar você. Ele irá continuar carregando você em direção ao seu objetivo. Contudo, se o discípulo diz, ‘Eu não acredito mais em Você. Você não é o meu Guru’, somente então o Guru irá largar a mão do discípulo, e ele certamente irá cair. Então, não importa o que aconteça, jamais abandone o seu Guru. Não tente tolamente usar a sua mente limitada para analisar as qualidades ilimitadas do Guru. Ele sabe o que é melhor para você, e Ele está sempre fazendo o que é melhor para você. Ele jamais irá te abandonar, se você acreditar Nele.”

Baba explicou que os testes que Ele dá aos margiis não são muito difíceis. Ele disse que se fôssemos estudar a história do tantra (7) e entender os testes que os gurus tântricos deram a seus discípulos no passado, nós iríamos compreender melhor a sua afirmação.

Então Baba perguntou a mim: “Você sabe como Krsna testou os pandavas? Você simplesmente não pode imaginar. Ele matou Barbarik, o neto de Bhima (o segundo pandava), imediatamente antes da guerra. Barbarik vangloriu-se para Krsna, ‘Eu posso acabar com a guerra toda em um piscar de olhos.’ Ele até mesmo provou que ele tinha a capacidade de fazer isso. Krsna, contudo, matou-o devido à sua arrogância extrema. Este foi um teste terrível para Bhima.”

Baba disse Barbarik e muitos outros que Krsna matou antes e durante a guerra do Mahabharata eram avidya (8) tântricos poderosos que utilizaram seus poderes espirituais para o seu ganho pessoal. Eles injetaram um complexo de medo na sociedade e oprimiram o povo inocente. Krsna, sendo a encarnação de Parama Purusa, foi obrigado a destruí-los para o benefício da sociedade e para a restauração do dharma. (9)

Eu pensei comigo mesmo, quão grande era a devoção de Bhima, para que ele tenha sobrevivido a esse difícil teste. Krsná era o Dharma Guru – o Guru do Dharma, ou justiça. Ele era um exemplo ideal para toda a humanidade. Baba prosseguiu dizendo: “Krsna então fez com que Bhisma fosse morto (o avô dos pandavas e kaoravas) de uma maneira que era contra as regras da guerra naquele tempo. Ele matou Drona (o professor das artes marciais) de uma maneira traiçoeira.”

Baba explicou como o Senhor Krsna testou Arjuna. Quando a roda da carruagem de Karna ficou presa na lama, no campo de batalha, e ele desceu para tirá-la da lama, Krsna ordenou que Arjuna matasse Karna com a sua flecha nesse exato momento. Arjuna ficou terrivelmente irritado com essa instrução injusta, e gritou para Krsna: ‘Você não é meu amigo de verdade, nem meu Guru. Como meu amigo, Você não deveria me dizer para fazer uma coisa errada. Mesmo assim, você me disse para matar meu avô, Bhisma, de maneira errada, e meu professor, Dronacarya, também de uma maneira contra as regras da guerra. Eu sou um ksattriya, um guerreiro, e agora Você está me instigando a matar Karna de uma maneira que viola as regras da guerra. Isto é contra o dharma de um ksattriya.’

Krsna respondeu calmamente a essa explosão emocional: ‘Será que eu tenho que ouvir filosofia de você no campo de batalha? Aqui você só deveria lutar. Quando você era jovem e a casa preparada para você e para seus irmãos pegou fogo, quem salvou você? Quando Bhima foi envenenado e jogado no rio, quem o salvou? Quem providenciou o seu casamento com Draopadii? Quem resgatou sua esposa Draopadii, quando ela estava sendo humilhada e torturada, e Dushasan (um dos kaoravas) tentou deixá-la nua na frente de todas as pessoas assim-chamadas dhármicas, moralistas e sêniores – quem salvou ela? Será que tudo isso foi devido à sua capacidade de ksattriya? Você consegue se recordar alguns dias atrás, quando os sete generais dos kaoravas mataram o seu filho, Abhimanyu? Será que isso foi de acordo com as regras da guerra?’

Arjuna imediatamente percebeu o seu engano, o seu erro de julgamento. Os fortes argumentos de Krsna convenceram Arjuna de Sua grandeza. Subseqüentemente, ele recuperou toda a fé em Krsna e passou o Seu teste.”

Baba enfatizou: “Krsna submeteu os pandavas a tanta tortura, confusão, humilhação e sofrimento que você não consegue imaginar!”

Então Baba contou outra parábola para ilustrar mais os testes dos gurus tântricos, e mencionou os nomes de três discípulos tântricos – Upamanyu, Utanka e Aruni

Upamanyu recebeu ordens do seu guru para tomar conta das vacas dele. Um dia, o guru exigiu que ele parásse de beber o leite das vacas, pois ele não tinha lhe dado permissão para fazer isso. Seguindo suas instruções, Upamanyu tomou apenas a espuma do leite, no topo do pote. O seu guru então ordenou-lhe para parar até mesmo de tomar a espuma do leite. Ele obedeceu essa instrução. Para sobreviver, ele começou a pedir comida. Depois de algum tempo, o seu guru ordenou-lhe que não pedisse comida de outras pessoas. Como ele tinha fé plena no seu guru, Upamanyu também obedeceu essa instrução. Depois de algum tempo, como ele não conseguiu suportar a sua fome, ele comeu algumas folhas, que fizerem com que ele ficasse cego. Quando ele ficou caminhando nesse estado de cegueira, ele acidentalmente tropeçou e caiu dentro de um poço vazio.

Enquanto isso, quando as vacas voltaram sem Upamanyu, o seu guru foi procurá-lo, e finalmente encontrou-o em má condição, no fundo do poço. Seu guru compadeceu-se dele, e do topo do poço, ensinou a Upamanyu um mantra especial que imediatamente curou a sua cegueira. Upamanyu escalou e saiu do poço, e imediatamente recebeu iniciação e realização espiritual do seu guru. Ele passou por todos os testes do seu guru com sucesso completo.

Utanka foi enviado para viver com seu guru desde a idade de cinco anos. Ele tinha que servir o seu guru até que este estivesse totalmente satisfeito. Desse modo, ele passou muitos anos servindo seu guru. Um dia, Utanka acidentalmente caiu enquanto levava uma carga de madeira. Ele caiu próximo de um riacho. Quando ele levantou-se, ele viu o seu reflexo na água e ficou chocado por ver que o ser cabelo tinha ficado cinza com a idade. Ele então sentiu que havia desperdiçado toda a sua vida fazendo serviço braçal, sem qualquer realização espiritual, e ficou profundamente entristecido. Imediatamente quando ele retornou ao ashram, o seu guru iniciou-o e também lhe deu a divina experiência de samadhi.

O guru de Aruni, por sua vez, ordenou-lhe que cuidasse das suas terras. Quando um dique junto às terras arrebentou, Aruni bloqueou o buraco aberto com o seu corpo. Ficando nessa posição para evitar que a água saísse, ele finalmente perdeu sua consciência. Ele ficou ali caído na lama e na água a noite inteira. Pela manhã, o seu guru saiu à sua procura. Depois de algum tempo, encontrou-o naquela condição lamentável e cuidou dele até que ele se recuperasse. Quando ele se recuperou, o guru declarou que Aruni havia passado o seu teste e que ele agora estava pronto para a iniciação à prática espiritual.

Baba explicou que o culto tântrico da Ananda Marga também inclui testes, que foram aplicados de forma diferente. Ele explicou que os elementos mais importantes do culto tântrico são os testes prescritos pelo Guru aos discípulos, e a satisfação completa do Guru. Ele esclareceu que Ele também manteve esses elementos mas modificou-nos no sistema de prática espiritual da Ananda Marga, para ajustá-lo às condições atuais. Na Ananda Marga, é muito fácil receber iniciação. Os testes somente virão mais tarde na vida, quando vários choques e problemas confrontarem o aspirante espiritual, para distraí-lo de sua prática. Se ele mantém a firmeza de suas práticas espirituais depois de passar através do moinho dos problemas esmagadores da vida, o aspirante espiritual finalmente é agraciado com a realização espiritual.

Baba elaborou: “Quando Eu pego a sua mão, é Minha responsabilidade levar até você até o seu destino final. Se você não segue Minhas instruções, isto significa que você já tirou a sua mão da Minha. Contudo, Eu não posso remover a Minha mão da sua. Eu aceitei você e irei levá-lo até o seu destino final, quer você siga minhas instruções ou não. Se você faz ou não faz sádhaná, não importa. mas no momento em que você diz, ‘Eu não acredito em Você. E não aceito Você como meu Guru’, então Eu terei de largar você.”

Baba então fez duas perguntas para mim, e Ele próprio respondeu-as: “Qual é o significado real de sádhaná? Satisfazer o Guru é a sua sádhaná. O que é Guru puja? Cumprir as ordens do Guru é Guru puja.”

As explicações longas e detalhadas de Baba foram muito significativas para mim. Todas as perguntas que anteriormente me confundiram e perturbaram, agora desapareceram como fumaça. As palavras de Baba agora estavam muito claras para mim. Eu entendi intuitivamente porque Ele me deu o exemplo do morro e de cair de diferentes alturas e de diferentes objetos, como bicicleta, moto, trem, avião e foguete. Eu também entendi claramente por que aquelas pessoas abandonaram Baba e qual seria o destino delas. Eu entendi então qual era o significado real da minha sádhaná. Nós podemos esquecer as tarefas que nos foram designadas, mas Parama Purusa jamais esquece a Sua tarefa e responsabilidade com relação a nós.

Caminhando próximo de Baba naquela fria manhã de Patna, eu chorei lágrimas bem-aventuradas. Eu entendi o Seu intenso amor por mim, como Ele removeu as escuras teias de confusão da minha mente, e como Ele suavemente deu-me um novo entendimento sobre a sádhaná, enfatizando a entrega total e a dependência ao Guru.

NOTAS DO TRADUTOR:
(1) Guru = entidade que dissipa a escuridão.
(2) Ananda Marga significa “caminho da bem-aventurança”; é também o nome da organização sócio-espiritual criada pelo mestre espiritual Shrii Shrii Anandamurti.
(3) DMC = Dharma Maha Cakra, um dharmachakra com a presença física de Baba.
(4) Baba é o nome pelo qual o mestre espiritual Shrii Shrii Anandamurti é carinhosamente chamado pelos discípulos. Significa, literalmente, “entidade mais próxima e mais querida”.
(5) samskara = reação em forma potencial na mente, ou impulso mental reativo.
(6) Uma frase que faz referência a uma conseqüência semelhante, porém refere-se diretamente ao dharma, e não ao Guru: Dharma rakśati rakśitah – significando: “Quem protege o dharma, é protegido pelo dharma.”
(7) “A definição de tantra nas escrituras é: Taḿ jád́yát tárayet yastu sah tantrah parikiirttitah [“Tantra é aquilo que libera uma pessoa das amarras da estaticidade”]. Taḿ é a raiz acústica da estaticidade. Tantra também tem outro significado. A raiz verbal sânscrita tan significa “expandir ”. Portanto o processo prático que leva à expansão e à conseqüente emancipação da pessoa é chamado tantra. Portatno, sádhaná e Tantra são inseparáveis.” [Tantra and Sádhaná, 25 May 1960 DMC, Saharsa.]
(8) Avidya significa força ou princípio de extroversão, enquanto que vidya significa força ou princípio de introversão.
(9) A definição de dharma é dada como segue: Dhriyate dharma ityáhu sa eva Paramaḿ Brahma – significando: “aquilo que sustenta um ser vivo é o seu dharma”. [Where There Is Dharma There Is Iśt́a, and Where There Is Iśt́a There Is Victory, 4 July 1979 DMC, Purnea.]

“Living with Baba”, Dada Tapeshvarananda