[…] Em cada expressão, em cada camada deste universo, mais crua ou mais subtil, apenas um refrão prevalece, e esse refrão é alcançar a bem-aventurança, atingir a beatitude.
No movimento artístico para o bem-estar, a realização e a doação da felicidade encontram expressão simultânea. Quando os literatos se dedicam ao serviço ou “sadhana” da literatura, têm de deixar o seu génio criativo fluir nesta mesma corrente: devem purificar tudo o que é turvo e pouco auspicioso das suas vidas pessoais nas águas sagradas da mente universal, e então levá-lo doce e graciosamente até ao coração da humanidade. Aqui reside o desempenho do seu serviço, a consumação da sua “sadhana”.
O propósito da criação artística é espalhar alegria e bem-aventurança, felicidade, beatitude. Os transmissores desta bem-aventurança, servidores das pessoas, não podem manter suas vidas diárias distantes de momentos comuns, misturados com prazeres e dores, sorrisos e lágrimas. A literatura terá de permanecer inseparavelmente associada aos filhos do solo desta terra – e o literato é também um deles.
As pessoas procuram ser resgatadas do turbilhão da obscuridade; aspiram a iluminar as suas vidas e as suas mentes com uma luz sempre nova. Em todas as suas acções, em todos os seus sentimentos, há uma tendência intrínseca para evoluir. Por isso, se se tiver de oferecer algo à humanidade, o criador de arte não pode permanecer ocioso ou inerte.
Os seres humanos na sua viagem pela vida podem por vezes parar de repente com medo ou apreensão. Às vezes os seus joelhos cedem e eles sentam-se cansados e frustrados. Nesses tempos a responsabilidade do literato dotado acresce de significado. E quando os literatos cantam as suas canções de vanguarda, têm de ser muito cuidadosos sobre mais uma coisa: depois de cada criação artística devem olhar para trás atenciosamente para determinar se aqueles para quem cantaram as suas canções de marcha são capazes de avançar com eles – se as suas ondas de pensamento estão a chegar ao âmago do coração de cada pessoa – se o seu serviço lhes está realmente a fazer bem. No mundo literário, a grinalda de glória é apenas para aqueles que estão sempre conscientes das suas responsabilidades como literatos.
Portanto os artistas, com o seu talento criativo, não devem apenas fazer um retrato perfeito do presente, mas também continuar a explorar as possibilidades do futuro com uma mente benevolente.
A boa literatura, para cumprir as exigências do tempo, deve mover-se em uníssono com a sociedade, mantendo controlo sobre a sua velocidade.
Os literatos podem avançar um passo ou dois à frente da sociedade, visto que são os seus guias; mas não devem mover-se demasiado distantes à frente, e claro que atrás está fora de questão.
A maioria do que é actualmente denominado Sa’hitya é mera composição, e não literatura. Os literatos devem provar o seu sentido de responsabilidade em cada linha escrita pelas suas canetas. O domínio da língua e das ideias não é suficiente. Algo mais é necessário: o poder para pesquisar profundamente qualquer assunto – o esforço sincero para identificar a mente com as mentes de todos, para penetrar na essência da verdade (Tattvadarshii).
As expressões sugestivas que são criadas com o pincel do artista e a caneta do literato são mutáveis, e portanto o artista e o literato devem manter sempre um olho vigilante nos ventos de mudança da sociedade. Embora o impulso da sociedade dependa de vários factores, é maioritariamente determinado por transformações psicológicas e culturais.
Pois a raça humana, consciente ou inconscientemente, está a construir gradualmente uma nova cultura humana baseada na cooperação mútua.
Os literatos não devem permanecer inebriados com as palavras coloridas das suas imaginações, nem devem levar a humanidade ao desespero por insistir constantemente nos fracassos do mundo material, ou cantar canções de frustração. Devem estar perfeitamente sintonizados com as mudanças, tanto nas tendências psicológicas como na evolução cultural, que remodelam a estrutura social.
“Se ninguém o meu apelo quiser ouvir, Então sozinho devo eu prosseguir. “
Mantendo este mesmo refrão em mente, devem continuar no seu esforço inflexível a lutar contra a força aparentemente indomável de centenas e milhares de obstáculos profundamente enraizados em velhas superstições firmemente arreigadas no egoísmo mesquinho. As suas canetas podem talvez despedaçar-se, os seus pincéis podem porventura ser forçados a desenhar apenas linhas de água na tela, e os seus fluxos teatrais podem até acabar em meros posicionamentos silenciosos, e ainda assim os seus esforços não permitirão pausas. Cada uma das suas derrotas insignificantes será enfiada como pérolas na grinalda da vitória.
Como podem aquelas pessoas que não têm firmeza moral, cujos pés pisam um solo que não é firme nem forte, transmitir felicidade a alguém com um sereno abrigo reparador? É talvez possível arrastarem-se pela vida sugando o sangue de outros como parasitas sociais, mas isto não trará satisfação ao literato ou aos seus leitores.
O artista ou literato que assume a responsabilidade de conduzir a humanidade ao caminho da luz desde a escuridão das cavernas terá de prestar atenção aos sinais de trânsito desse caminho.
Eles são os mensageiros das massas silenciosas – os guardiões da sociedade.
Os artistas que levam a expressão colectiva em direcção a mais e subtis formas, terão de manter uma relação íntima com as estruturas psicológicas e culturais das pessoas.
Como símbolo das esperanças e dos desejos de milhões de pessoas, terão de manter no ar as possibilidades da próxima era, depois de transcender os limites desta. Nesta tarefa há tanta responsabilidade como trabalho árduo, nem um pouco menos. Considerando os meios naturais de expressão das aspirações humanas, os artistas terão de retratar o ideal de um modo facilmente compreensível pelas massas.
Aquelas vozes que necessitam de heroísmo audacioso vão simplesmente lamentar-se e choramingar versos burlescos em nome da poesia – eles tentarão salvar-se da responsabilidade da realidade contando as estrelas nos céus.
Se uma ideia for semelhante ao ferro, então o dinamismo da linguagem será a pedra-de-toque. Deve-se ser sempre vigilante para que o ferro não perca o contacto com a pedra de toque. Assim, antes de dar expressão a qualquer ideia elevada, os literatos devem procurar esta pedra de toque e trazê-la ao seu controle. Muitas pessoas têm ideias que não desabrocham por falta de domínio da linguagem. Aqueles que têm ideias devem desenvolver o seu poder de expressão por prática continuada e esforço: e aqueles que possuem poder de expressão devem fazer esforços para despertar a sua intuição latente. O literato deve possuir tanto expressão como intuição: onde não há ferro, a pedra de toque não tem sentido.
Os Literatos têm de reivindicar ribombantemente, fazendo um apelo activo à humanidade e deixando de lado todo o lixo e impurezas com uma mente corajosa e braços fortes, limpar o caminho da emancipação humana. No caminho da realização eles devem ser os pioneiros.
Se a mente do artista puder ser feita para tocar o mais profundo, o mais recôndito nos corações de outros – se o seu sentimento humano estiver sintonizado com a sensibilidade de outros – então as pessoas poderão determinar sozinhas que caminho será verdadeiramente benéfico para elas, que estrada levará ao grande desabrochar das suas potencialidades.
Se as possibilidades do desenvolvimento individual ou colectivo não forem claramente entendidas, a prosperidade psíquica da humanidade pode ser maltratada em qualquer momento.
A conclusão de tudo isto é que o pensamento no bem-estar público deve ser o critério principal de toda a criação artística e literária, e esse pensamento só tomará forma através da alegria artística – só então poderá o intelecto subtil despertar em mentes cruas. Assim, quando os artistas ou literatos têm de marchar em frente criando tal fluxo de alegria, eles não podem permitir-se apoios a qualquer noção fastidiosa de pureza ou impureza, pois isso retardará o progresso. O melindre excessivo, como mysophobia (o medo da contaminação), obstruirá o seu caminho de movimento.
Quando os artistas, absorvidos na essência do amor, tentam transmiti-lo às pessoas pela sua linguagem, retórica e sugestões subtis, a doçura do seu génio artístico atinge o auge da expressão.
O amor infinito é a expressão extática última do amor finito. Este mesmo sentido que os artistas tentam despertar na mente popular – quando eles se dedicam à tarefa de estabelecer a conexão entre o finito e o infinito, entre o mundano e o transcendental – esta mesma consciência, embora não puramente transcendental, detem a importância mais elevada no reino da arte. Por expressões que são compreensíveis à inteligência comum, gradualmente conduz a doçura da mente humana a uma terra de sonhos supra-sensível.
O que é escasso não são os artistas mas o patronato e o encorajamento. Mesmo se aceitamos que o verdadeiro artista não cria a arte na esperança de receber o encorajamento de alguém, eu diria que quando os artistas, movidos pela emoção do seu coração, ou ocupados no esforço de perder-se na expressão da sua arte, se comprometem a criar algo, até nesse momento é necessário fornecê-los com a provisão necessária para a expressão da sua força vital.
Quanto maior a proximidade com o transcendente, maior o êxito do artista, pois consciente ou inconscientemente a mente humana está em busca do transcendente.
Os seres humanos anseiam pelo desconhecido: eles não podem permanecer contentes com o conhecido; assim, onde há um esforço para criar arte simplesmente a partir dos eventos da vida diária, não há um apelo à faculdade intuicional da mente humana.
Como símbolo das esperanças e dos desejos de milhões de pessoas, eles terão de manter no alto as possibilidades da próxima era, depois de transcender os limites desta. Nesta tarefa há tanta responsabilidade como trabalho árduo, não menos. Considerando os meios naturais da expressão de aspirações humanas, os artistas terão de retratar o ideal em um modo facilmente compreensível pelas massas. […]
1966
Publicado em:
Discourses on Neohumanist Education
Prout in a Nutshell: Part 10
The Great Universe: Discourses on Society